acatalepsia

November 23, 2007

Cada vez mais, nada

Olho meus dedos tocarem as teclas. Olho a tela, retangular, brilhante, lisa. Olho o pouco cabelo que me cai aos olhos. Ouço um discreto tic-tac das horas. Ouço algo que vem da rua, e o resto, eu sei, é silêncio, ainda que não o perceba. Sinto cheiro de borracha queimada, que nem imagino de onde vem. Sinto pouco frio e meus olhos arderem. A luz da tela contrasta mais, à noite. Contenho palavras pouco simpáticas pras pessoas mais queridas. Seguro no peito, dor. Não seguro nada entre as mãos. Arranco com os dentes, unhas. Com o que resta cutuco o que resta da outra. Nada mais resta.

Aproximo-me de mim, sozinho. E quanto mais próximo mais estranho, mais avesso, mais distante. O que me sobra da análise são as letras. Nada mais. Não sou nada nem ninguém. Aquilo que posso fazer de mim, não faço. Aquilo que quero fazer de mim, também não faço. Aquilo que querem fazer de mim, não deixo que o façam. Retorno às letras, palavras, frases, em busca de algo diferente desse nada. Encontro.

Ainda não sei o que encontrei. Não sei explicar. Não parece muito difícil, de nenhuma façanha sou capaz. Estala na ponta da língua e não sai. Pudesse cortá-la, o faria. Posso, mas não faço. Devo, mas não faço. Isso, de mim não querem. Aperto na mão os dedos, cerro os olhos, controlo o arfar.

...

Passaram-se duas horas de quando comecei as letras. Nada mudou. As paredes continuam solidamente mais relevantes que qualquer linha. Talvez o espaço do quarto tenha se reduzido um pouco. Pareço oprimido? Não, nada que lembre um claustro. O ponteiro se move lento e alto, sem fazer sentido. Quantos dias couberam nessas duas, ou três, horas? Tempo bobo. Nada entende de tempo.

...

Alecrim. Pastilha de menta. Régua de plástico transparente. Tic-tac arrastado das horas. Tudo o mais que se distingue de mim, pra mim, agora. Senhores e senhoras sinceras, pelas quais queria/devia me apaixonar. Como consigo ser tão piegas?

...

Serena em mim, que disso preciso.
Onde não há luz, som, vida ou risco,
há/não há (?) outros rechaços,
por fazer de mim pressentimento.

Cala-me a voz que nada diz,
faz-se senhora velha e surda
na insensata ausência de contraste
face à noite, clara/escura.

Vazio concreto e inefável,
pálido indício de certeza pétrea,
ser na morte, pra morte,
sem outro lugar, cabimento.

Valha-me sorte!
Da dor não quero mais um pio!

2 Comments:

  • Muito bom, apesar do frango ter passado do ponto.

    Mirian

    By Anonymous Anonymous, at 1:17 PM  

  • Ê Thiago, você devia escrever sempre (!); esse seu conto, li hoje, me lembrou um que eu escrevi na mesma época sobre o silêncio do teclado... achei o seu lindo, triste, mas um triste bonito. bj Camilla

    By Blogger Cfelicori, at 9:07 PM  

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